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Mudança de morada

O tempo implica mudança, e os que não mudam arriscam-se a ficar a ver o futuro à distância.

Depois de 4 anos ‘on air’, o meu blogue pessoal vai mudar de morada. O que significa que alguns temas ficarão para trás, ao mesmo tempo que uma série de novas janelas se abrirão definitivamente…

E a nova morada é… http://ratingdarepublica.wordpress.com/

E o nome Rating da República é exactamente aquilo que farei em exclusivo a partir de agora…uma análise atenta ao país, certamente pincelada com aquilo que de mais importante se passa no mundo em que vivemos.

É esta a nova morada… é lá que vos espero também…

Na blogosfera andam a confundir o que Breivik fez (atentados na Noruega) com cristianismo, sob o pretexto de que aquele senhor agiu em nome de um fundamentalismo cristão. Deste pensamento parte-se para um terrível e intricada generalização, perigosíssima e profundamente errada.

O ponto de partida está, desde logo, completamente errado. O que Breivik fez não foi em nome do cristianismo. Tal como o que os fundamentalistas islâmicos fazem não é em nome do Islão (não deixa de ser interessante que os mesmos que fazem agora esta generalização, são os mesmos que dizem sempre que não podemos confundir terrorismo com islão). Ele pode afirmá-lo as vezes que quiser, pode escrevê-lo em quantos manifestos achar por bem escrever, mas não é. Porque cristianismo não é aquilo, de forma nenhuma. É como se eu afirmasse que era do Benfica e apoiasse o Porto num jogo contra o Benfica! Cristianismo é vida (apesar das tremendas atrocidades que se cometeram durante séculos em nome de Cristo, mas sem a sua autorização), e tudo o que sirva para atentar contra esta não é cristianismo. Foi isso que Breivik fez…

Mas há um movimento que aproveitou para tomar o seu lugar, e é isso que me causa consternação. Definitivamente, está em marcha uma tentativa clara por parte de alguns quadrantes do pensamento europeu, especialmente aqueles mais afectos à esquerda e ao humanismo, em apagar o DNA cristão que está na origem do continente europeu. Em causa está o apagar dos valores que serviram de base àquele que é, na história da humanidade, o mais próspero continente do mundo.

Há quem não entenda isto: um país e um continente nunca devem renegar as suas origens, pois as suas origens são a sua identidade. No dia em que essas origens forem corrompidas sem dó nem piedade, estaremos perante o início do fim do continente europeu como o conhecemos hà séculos. Lembrar que este continente europeu cristão foi o mesmo onde se aboliu a escravatura em primeiro lugar, onde a democracia moderna foi inventada, testada e posta em prática em primeiro lugar, entre outras coisas. Foi também o continente onde algumas das maiores atrocidades foram cometidas, é um facto. Mas a prova da importância das raízes deste continente é o facto de ele sempre se ter reerguido no meio do caos e da dificuldade. E sempre se reergueu afirmando esses mesmos valores.

A generalização é perigosa. A estupidez, infelizmente, também grassa pelos corredores do cristianismo. A história e mesmo o presente provam-no de forma cruel. Mas desprezar os valores cristãos que estão na base da nossa construção enquanto sociedade, especialmente numa altura em que a Europa precisará de se reerguer novamente depois desta crise económico-financeira, é tudo o que não precisamos.

Há que reafirmar a importância dos verdadeiros valores cristãos na sociedade todos os dias. A valorização do ser humano (‘novidade’ que Jesus introduziu no seu tempo…), a justiça e a paz (sim, Jesus também falou, e muito, de ambas), são valores que não nasceram no século XIX ou XX. Bem lá ao fundo da História, houve alguém que se lembrou disso e que deixou bem clara a necessidade de as praticarmos. O que meia-dúzia (ou mesmo que sejam mais) de energúmenos fazem em nome de Cristo não pode nem poderá manchar a verdadeira dimensão do cristianismo.

Relembro o que um dia ficou escrito: ‘três coisas permanecerão: fé, esperança e amor. E a maior destas é o amor.’

Vamos então continuar esta empreitada, agarrando agora no sítio mais difícil que temos por estes dias: finanças. O Programa de Governo mistura finanças e economia, emprego e administração pública no mesmo item, o que torna difícil o compartimentar destes temas, já que eles estão um pouco dispersos por algumas páginas.

Deixe-me, antes de mais, estabelecer um ponto prévio. O ‘o que aí vem’ deste título é sempre uma suposição, como ficou demonstrado já com o imposto extraordinário que, não fazendo parte do programa de Governo que aqui analisamos, será taxado aos portugueses. Ou seja, isto significa que muito mais ainda poderá vir, especialmente se considerarmos que o programa não é assim tão claro no que toca a medidas de controlo da despesa e aumento da receita.

Bom, mas falemos do Programa propriamente dito. O ponto que serve como tiro de partida desta parte do programa é o claro sentimento de nos ‘livrarmos’ do financiamento externo tão rápido quanto possível. O chamado ‘regresso aos mercados’ não é mais do que tornar a política económica e financeira portuguesa de novo independente. Há também a promessa de que a consolidação orçamental será feita em um terço do lado da receita e em dois terços do lado da despesa, o que seria sinónimo de um grande esforço de redução do Estado. Veremos se tal é exequível.

Reafirma-se o objectivo dos 5,9% de défice no ano 2011, dando a cada Ministro a responsabilidade pelo estrito cumprimento dos limites orçamentais do seu ministério, com penalizações nos orçamento seguinte para aqueles que gastarem mais que o orçamentado. Ou seja, se um ministério gastar mais num exercício orçamental, no próximo verá esse gasto em excesso ser-lhe retirado do orçamento anual, havendo a possibilidade de outras penalizações. Dentro do mesmo exercício orçamental, quando um ministério gastar em excesso, essa verba tem de ser libertada de outro ministério, de forma a garantir o cumprimento do défice.

Em relação a propostas mais concretas na área da despesa, temos:

  • A criação do Conselho de Finanças Públicas, uma entidade independente do Governo que se ocupe da fiscalização das finanças públicas;
  • Alterações à Lei de Finanças Regionais e Locais, onde se estabeleçam, entre outras, novas regras e limites ao endividamento;
  • O fim das Golden Shares (número pequeno de acções detidas pelo Esatdo, e que lhe permite ter poder de veto sobre uma série de decisões consideradas estratégicas na vida de empresas que já foram do Estado, exemplo da PT e da GALP);
  • Venda do BPN até final de Julho de 2011;
  • Venda da EDP, REN e TAP até ao fim do ano (2011);
  • Venda da área da CGD não relativa à actividade bancária (por exemplo, a área dos seguros), com esse valor a ser destinado a financiamento a empresas por parte da CGD. Tornar a CGD mais virada para o crédito a bens e serviços transaccionáveis, para o apoio às exportações e à internacionalização de empresas portuguesas, e o apoio às MPME, empreendedorismo e inovação;
  • Reduzir custos no Sector Empresarial do Estado, aplicar limites ao seu endividamento a partir de 2012, garantir a sua viabilidade financeira través de receitas próprias, o que incluirá revisão das tarifas, de forma a baixar os subsídios (leia-se: aumento das tarifas);
  • Privatizar todas as empresas do Estado cuja função possa ser garantida por privados;
  • Renegociação das Parcerias Público-Privadas e Concessões (Hospitais e Auto-Estradas, por exemplo) que não sejam viáveis para o Estado. Não executar nem pagar as PPP’s antes do visto do Tribunal de Contas;

No que toca ao fisco, há algumas promessas de simplificação dos impostos e de combate à economia paralela (aquela que não entra nas malhas do Fisco), à fraude e à evasão fiscal. O que se propõe-se é isto:

  • Redução das deduções fiscais e dos regimes especiais em sede de IRC (empresas) e IRS (particulares);
  • Alterações no IMI e no IMT, com redução das isenções e actualização do valor dos imóveis para efeitos de tributação;
  • Redução das isenções em sede de IVA, e transferência de categoria no caso de alguns bens, que passarão para a taxa máxima de IVA;

Mas não ficamos ainda por aqui… há uma série de outras propostas, umas mais conhecidas, outras nem por isso. Mas vale a pena ficar a saber quais são…

  • A tão famigerada redução da TSU (Taxa Social Única), de forma a reduzir os custos de produção das empresas. Aqui, o Programa não se compromete com nenhuma percentagem nem data;
  • Simplificação do sistema fiscal, nomeadamente do IRS e IRC, reduzindo o número de escalões, de deduções e de isenções, tornando mais sensível à dimensão agregado familiar, por exemplo;
  • Reembolso do IVA às empresas feito de forma mais célere;
  • Aumento em 30% dos recursos destinados à inspecção na administração tributária (combate à evasão fiscal);
  • Aumento das penas para os crimes fiscais mais graves e julgamento mais célere dos casos de litígio fiscal;
O lado do emprego, onde o programa é vasto, fica para o próximo post. Embora pouco concreto, tem muita ‘carne’ mas também algum osso que é necessário ver com atenção. Até lá…

É um desafio grande, mas vale a pena. São 129 páginas onde encontramos de tudo: processos de intenções, trivialidades, medidas concretas, promessas de medidas concretas, medidas ainda não quantificadas, e por isso difícil de avaliar, e muito, muito mais. Por ser um desafio grande, e pela paixão de conhecer o que nos espera para que melhor possa avaliar o que fará este Governo, aceitei esta empreitada de ler e escrever sobre o Programa de Governo que hoje se discutiu na AR. Por ser uma empreitada grande, irei fazê-la por etapas, apontando as àreas chave: processo de intenções (prelúdio), finanças, justiça, área social e educação. Comecemos, então, pelo processo de intenções deste Programa de Governo.

Prelúdio

Como é costume neste tipo de documentos, as primeiras páginas são dedicadas a generalidades e processos de intenções, sem que haja tradução em grandes medidas concretas. Como o meu desafio é o de uma análise ao que é concreto, cinjo-me às 3 medidas que essa introdução apresenta.

A primeira, e talvez a mais relevante, já estava prevista no chamado Memorando da Troika: a criação da Unidade de Missão para o Acompanhamento do Programa de Ajustamento Económico, que tem por objectivo a coordenação e partilha de informação com as instituições internacionais, certificando-se de que as medidas são, efectivamente, tomadas. É basicamente uma forma de haver alguém, neste caso Carlos Moedas, o Secretário Adjunto do PM, que se certifique de que as medidas necessárias estão a ser tomadas, e no tempo acordado. Vale o que vale, mas demonstra vontade em cumprir o que assinámos com a UE, o BCE e o FMI.

Depois encontramos um compromisso com a apresentação, em máximo de 90 dias de uma lista dos organismos do Estado e do Sector de Empresas do Estado a extinguir, privatizar ou reintegrar na Administração Pública. É um esforço que já foi anunciado vezes sem conta, sem grandes resultados. É um esforço necessário, e tomara que seja feito, desta vez com sucesso…

Em terceiro lugar encontramos a não nomeação de novos Governadores Civis, e, mesmo que este compromisso não seja claro neste programa, na futura extinção dos mesmos. A ideia deverá mesmo ser essa (extinção dos Governos Civis) embora o compromisso implique uma Revisão da Constituição, para a qual é necessário o PS. Talvez por isso tenhamos pouca clareza nessa intenção. Encontramos promessas de reestruturação da administração central do Estado, também comuns nestas alturas, mas com poucos resultados práticos, como temos visto até aqui.

Segue-se o monstro, as finanças públicas. E muitos teremos para explicar…

A Nobre Trapalhada

Há muitas formas de olhar para a não-eleição de Fernando Nobre para a Presidência da Assembleia da República. Há a perspectiva Passos Coelho, a perspectiva Portas e a perspectiva que o comum dos mortais tem. Mas vamos por partes…

Passos Perdidos

Passos Coelho acumula méritos, erros e ingenuidade no mesmo processo. Teve o mérito de garantir o peso pesado dos independentes, de ter declarado antecipadamente a sua ideia, não só assumindo quem era o candidato, mas anunciando que essa posição estava tomada em virtude de querer aproximar a AR da sociedade civil. Teve ainda o mérito de ter mantido a sua palavra (coisa a que, diga-se, estamos pouco habituados…) ao ter levado até ao fim o seu compromisso que, quer queiramos, quer não, sai vencedor do sufrágio a que submeteu no dia 5. Mas acumula erros, também. Talvez o maior tenha sido o de não incluir Fernando Nobre no acordo de coligação com o CDS. Tendo em conta que a força de equilíbrio no Governo até é acentuada (4-PSD/3-CDS, se excluirmos independentes), não deveria ter sido assim tão difícil convencer Portas a incluir esta questão no acordo. Além do mais, teria evitado toda esta tarde de publicidade negativa ao início de funções deste Governo (se bem que este início tenha sido só da AR) que vimos hoje. Outro erro foi o de não ter uma solução B preparada. Passos Coelho deveria estar preparado para esta questão e ter sido célere na apresentação da mesma. Isso teria um inconveniente (a eleição de quem quer que fosse ficaria tapada pela não-eleição de Nobre nos noticiários), mas permitira que o ‘seguir em frente’ que será necessário agora fosse o mais rápido possível. Ao que parece, tinha gente disponível para isso (Guilherme Silva), e custa a entender como se é apanhado de surpresa numa situação que até era previsível…

A ingenuidade tem o momento alto no anúncio de Nobre como candidato antes das eleições, no facto de esse anúncio ter sido feito em simultâneo com o anúncio de que Nobre era cabeça de lista por Lisboa (Passos deveria ter deixado que o nome de Nobre se consolidasse como candidato a deputado primeiro, e só depois como candidato a Presidente da AR…), agravado pela desastrosa entrevista que veio a público 2/3 dias depois, com Nobre a afirmar que, no Parlamento, só estaria disponível para ser presidente, e não um simples deputado. Além de ter contribuído para que a sua candidatura sofresse uma hostilização social e política escusada, terá começado aí a derrota de hoje. A segunda ingenuidade tem a data de hoje: dá a ideia que Passos acreditava genuinamente que Nobre haveria de ser eleito. Ora, depois de tudo o que ouvimos dizer, era mais ou menos claro que isso não se verificaria. E esta ingenuidade fica colada a um erro já referido atrás: onde está a alternativa?

Portas e o silêncio ensurdecedor

O silêncio (ou pelo menos, a discrição…) de Portas e do CDS são sintomáticos do que se passou: Portas deixou Passos afundar-se sozinho. É uma afundar pequeno, mas só o futuro dirá com que consequências. Ao deixar o PSD sozinho, Portas manteve a palavra, colocou o PSD num local de onde este não conseguiu sair, lembrou ao parceiro de coligação e ao país que o PSD precisa do CDS SEMPRE para que seja possível fazer alguma coisa. A facilidade com que o segundo nome proposto pelo PSD amanhã vai passar é apenas a prova disso mesmo: o CDS não votou Nobre porque não quis, e porque viu aqui uma boa oportunidade.

E o Povo, pá?

E o povo não percebe bem esta trapalhada. Apesar de ser a segunda figura da nação, o Presidente da AR tem pouco peso mediático e real na vida dos portugueses. E talvez isso seja o grande ponto que joga a favor de Passos Coelho: daqui a umas semanas ninguém se lembrará desta trapalhada. E se alguém a relembrar, o PSD e o seu líder poderão sempre puxar do argumento ‘a nossa palavra conta’.

O que o povo, o comum dos mortais pensa, é simples: deixemo-nos de histórias e comece-se a governar. O povo quer Governo de 4 anos. O povo quer que se faça o que for preciso para sairmos desta situação e tão depressa não voltarmos a ela, ou a outra idêntica. O povo quer clareza, menos conversa, menos burocracia, menos palavras e mais acção.

No meio disto tudo, fica no ar uma questão, da qual eu não sou adepto, mas que definitivamente se levanta: e se isto estivesse tudo planeado? Como, pergunta o leitor… e se Passos Coelho soubesse que Nobre não ia, de facto, ganhar, e tudo isto ter apenas servido como forma de o deixar cair, podendo afirmar que cumpriu a sua palavra? É uma hipótese que contraria a minha tese de que ‘não devemos tomar por fruto de uma extraordinária inteligência coisas que podem  apenas ser resultado do acaso’. Mas não deixa de ser uma hipótese. E se o leitor gostar da Teoria da Conspiração, tem aqui o seu argumento da noite…

O título é, como se costuma dizer na gíria popular, ‘puxado’. O texto sê-lo-à ainda mais. E é-o de forma propositada. Porque o fundamentalismo associado ao tema do tradicionalismo costuma despertar pedidos estapafúrdios de suposto ‘respeito’, que no entanto nunca é recíproco. Os ‘modernos’ devem respeitar os ‘tradicionalistas’, sem que o contrário seja uma realidade. Eu, por mim, recuso-me a curvar-me perante aqueles que tanto mal têm feito ao Evangelho. Mal?!?! Sim, mal. Passo a explicar o porquê.

Um dos grandes erros do catolicismo foi a cedência à tradição. No catolicismo essa cedência à chamada tradição apostólica é feita à luz do dia, sem subterfúgios ou baseada em pressupostos escondidos. A tradição apostólica é feita segundo regras pré-definidas, sempre debaixo do argumento de que essa é a autoridade e a acção contínua da Igreja Católica, transmitindo tudo aquilo em que ela acredita desde o advento de Cristo até à actualidade. Segundo a Wikipedia, ‘esta acção contínua de transmissão é feita mediante a pregação, as instituições, o culto e os escritos inspirados’. Ora parte desta tradição, da qual também faz parte a Bíblia, vem dos Concílios, dos actos da Santa Sé, das palavras (discursos, pregações) e dos usos da Sagrada Liturgia. Os elementos básicos dessa tradição são a Bíblia, o Símbolo dos Apóstolos, o Credo e as formas básicas da liturgia da Igreja. Uma frase que sintetiza tudo isto é a proferida pelo Papa Paulo VI quando afirmou, em 1966, o seguinte: ‘a Igreja (Católica) não retira da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas, porque da tradição oral e escrita devem ser recebidas e veneradas essas coisas com igual espírito de piedade e reverência.’ Ora, embora discorde, tenho de admitir…mais claro do que isto é impossível.

Ora, para os protestantes, esta ideia é um absurdo, já que nada substitui a Bíblia, a Palavra de Deus, ou sequer se equipara a ela. Este foi um os pontos que separou Lutero da Igreja Católica e o levou a empreender a Reforma. Até aqui, nada de novo. O que me leva a escrever sobre a catolicização do protestantismo é o que se passa a seguir a isto…

A ditadura da tradição

O passar dos séculos e anos fez mal ao protestantismo. Ou, pelo menos, a parte dele. É que esse passar dos anos deu ao protestantismo aquilo que ele não tinha quando foi feita a Reforma: uma tradição. E que tradição! Pesada, intolerante e asfixiante tradição!

É uma afirmação carregada, eu sei. Mas verdadeira. A esmagadora maioria das Igrejas protestantes europeias, especialmente no Sul, são esmagadoramente tradicionais, agarradas a conceitos de tradição ultrapassados e castradores da verdadeira experiência do Evangelho. Chegámos aquele que talvez fosse o grande medo de Lutero quando fez a Reforma: em algumas das Igrejas protestantes a única diferença que resta para a Igreja Católica é a inexistência de uma autoridade papal e de imagens de santos. De resto? C’est la même chose, mon ami…

Não é normal em nenhuma activididade (sublinho o NENHUMA) que a maioria da ‘oferta’ seja descontextualizada e esteja fora do seu tempo. Podem, isso sim, subsistir alguns nichos dessa mesma descontextualização, mas nada mais que isso, fruto de algum apego à tradição ou até de algum revivalismo, que não só aceita, como tem prazer no fazer as coisas como ‘se fazia antigamente’. Mas o protestantismo não tem um pequeno nicho tradicionalista. Tem uma gigante maioria, um monopólio da tradição, onde quem chega de novo rapidamente tem de se adaptar à regra segundo a qual, e passo a citar, ‘sempre foi assim’. Ao contrário do expectável, e até do que seria normal, temos um nicho quase inexistente de contemporaneidade e modernidade, em contraponto com uma ditadura do tradicionalismo. Ditadura essa que, como se não bastasse, passa a vida a abanar bandeiras para o outro lado, daquilo que supostamente não existe nesse lado. Bandeiras como a da santidade, ou a da genuinidade, ou a bandeira que mais me irrita, a do legalismo. A única bandeira que na realidade deveriam agitar bem alto é a da irrelevância, mas dessa esquecem-se regularmente devido a estarem tão preocupados com as restantes.

A catolização está consumada

Está consumada a catolicização do protestantismo desde o momento em que este se deixou enlear no labirinto da tradição. E que labirinto é este?

Falamos de um labirinto caracterizado por diversas formas de pensamento. O primeiro, e talvez o mais comum e óbvio, é o da ausência de necessidade de mudança. Se assim foi feito nos últimos anos, porquê mudar? A ausência de mudança tem trazido uma aridez crescente, que se traduz na incapacidade de dar às pessoas a tal água viva de fala o Evangelho. Se a Igreja, que é a imagem de Cristo, é um local árido, sem nada para oferecer para lá de uma experiência religiosa morta e cheia de imperativos legais, essa é a ideia que as pessoas fazem do próprio Deus. Se a Igreja está datada, amarrada a ideias concebidas há anos atrás, e sem relevância no hoje, então é essa a imagem de Deus que as pessoas construirão nas suas próprias mentes.

Por outro lado, se Deus é um Deus vivo, forte, poderoso, capaz, bondoso, gracioso, misericordioso, então onde está essa imagem nas Igrejas? A prova de que não está é a seguinte: perguntem a um descrente que caracteriza as Igrejas neste país com 3 adjectivos. Verão que nenhum desses adjectivos é qualquer um dos que mencionei atrás…

A catolicização da Igreja Protestante tem a prova irrefutável (no meu ponto de vista) na importância crescente do tradicionalismo. Não se trata de um regresso aos básicos, como muitos defendem, ou à Igreja primitiva. Trata-se de um retrocesso, da assumpção de caminho sinuoso cheio de leis e letra morta, em contraposição com as cartas de vivas de que Paulo fala. Essa prova irrefutável é, no entanto, bem menos leal do que a Católica. Enquanto os católicos tiveram a ‘decência’ de admitir a tradição de forma clara, para o Protestantes ela é um subterfúgio que, apesar de atacado, é utilizado de forma óbvia na esmagadora maioria das congregações. Como já disse, a diferença entre Católicos e Protestantes, nestes casos, esbate-se violentamente sem que muitos dêem conta disso…

O porquê de uma mudança

Enquanto tivermos o velho tradicionalismo a opor-se à verdadeira mudança, será difícil, mas alguém tem de o afirmar. Não se trata de mudar por mudar. Não se trata de mudar a Palavra. Trata-se de mudar aquilo que não é dogma, e que a própria Bíblia deixou em aberto para que pudéssemos interpretar conforme o tempo em que vivemos. E a forma, onde o tradicionalismo tanto gosta de se impor, não é dogma, logo, pode e deve ser mudado à medida que os tempos mudam também. Será isto um ataque ao Evangelho? Não me parece. A mudança torna-se tão necessária quanto mais clara fica para mim a irrelevância a que o protestantismo está confinado na actualidade. Essa irrelevância não é fruto de discriminação ou falta de atenção propositada. É fruto do caminho marcadamente tradicionalista (e que a a Igreja Católica também se tem esforçado por trilhar), em que a grande preocupação está em ser a voz moralizadora da sociedade. O Evangelho não é a voz moralizadora da sociedade, mas sim a voz transformadora da sociedade, o que são coisas bem diferentes. Ora, que tipo de relevância tem uma instituição que, incapaz de se mudar e transformar a ela própria, prega essa mesma mudança e transformação? Ora, nenhuma…

O murro na mesa

Talvez venha a ser dado por uma geração mais nova, que vai surgindo, e por aqueles que, sendo de outras gerações, o queiram dar também. Mas essa geração mais nova vai ter de resistir estoicamente à tentativa de clonagem que lhe é feita dia-após-dia por quem quer manter tudo como está. É um murro na mesa de que a Igreja precisa, as pessoas precisam, o País precisa e a Europa precisa. Há que encontrar rapidamente a mensagem de esperança, a mensagem transformadora. Essa mensagem tem um nome: Evangelho. Mas a sua apresentação tem de ser diferente. Já dizia a Bíblia que não se pode servir vinho novo em odres velhos. Creio sinceramente que o vinho novo espera ansiosamente por novos odres onde possa ser servido.

Parecia que nunca mais iria acabar, mas eis que já passou. Depois da maior campanha eleitoral de que há memória, depois da maior discussão sobre coisa nenhuma que foi possível ver em séculos de História da nação tuga, eis que os votos estão depositados na urna (que enternecedora coincidência a de decidirmos o futuro da nossa nação depositando o nosso voto numa coisa chamada urna), contados, e os resultados apurados. Teremos, ao contrário do habitual, um Governo empossado em 2 semanas, um Governo maioritário, que previsivelmente durará os 4 anos da legislatura. Resultado: as desculpas esgotaram-se…já não há Governo minoritário, já não há o fantasma da instabilidade governativa, já não há circo político. E agora?

Agora acabaram-se as desculpas. Sim, os últimos anos foram complicados e desastrosos. Desastrosos por várias razões, mas acima de tudo porque tivemos uma boa desculpa para falhar. E para o português, arranjar uma boa desculpa para falhar é o sinónimo a convite para nos ‘espetarmos ao comprido’. Foi isso que tivémos, e foi isso que alcançámos. E agora, depois de termos desbaratado a nossa auto-confiança, depois de termos minado a nossa imagem externa, depois de termos chegado ao ponto de quase ruptura e termos desperdiçado qualquer margem de erro, eis que somos chegados ao momento em que não podemos falhar, dê por onde der. E não podemos falhar na primeira pessoa do plural.

A margem de manobra é nula, economicamente falando. Mas também o é no que toca à sociedade portuguesa. Creio que a nossa sociedade não aguentará mais um falhanço, mais uma machadada na credibilidade, mais cortes e mais sacrifícios sem que não se vejam resultados em 3 ou 4 anos. A realidade é que a sociedade já está saturada de sacrifícios que não nos trouxeram a lado nenhum (relembro que são pedidos sacrifícios aos portugueses desde 2000/2001, ainda no tempo de António Guterres), pelo que começa a exigir resultados e exemplo a quem pede os sacrifícios. E está no seu direito!

Analisando o que se passou no Domingo de forma simplista…

Sócrates foi ‘expulso’ pelos portugueses, que não lhe perdoaram ter falhado na sua acção governativa, especialmente nesta segunda legislativa. O seu discurso de despedida foi digno, mas apenas deu um toque de dignidade a uma derrota muito pesada para ele mesmo e para o seu partido. Cheirou-me sinceramente a lançamento da candidatura ‘Sócrates 2016’…

Passos Coelho estava no momento certo, na hora certa. Talvez tivesse muita dificuldade em ganhar eleições noutras circunstâncias, mas nestas consegui-o com folga, ao contrário do esperado. Tire-se-lhe o chapéu por ter ousado dizer aos portugueses ao que vinha. Sócrates tinha razão em dizer que este era o programa mais liberal e à direita de sempre. Friso o programa, porque o próprio PS já teve acção governativa mais liberal que este programa do PSD. Apenas não o apresentou a votos, limitando-se a colocá-lo em prática quando no Governo. Passos Coelho venceu muito por demérito do PS, é um facto, mas não deixa de ter o mérito de ter aparecido no momento certo. Esperemos que tenha agora o mérito de recuperar o país…

Portas faz-me lembrar um elástico que foi demasiado esticado durante a campanha e acabou por ficar lasso, o que provocou alguma tristeza mesmo depois de ter chegado onde já não chegava há muitos anos. Mais deputados, mais percentagem e mais votos tem de ser considerado um bom resultado. Mas ficou aquém, e isso percebeu-se. Tem a ‘consolação’ mais que previsível de voltar ao poder 6 anos depois, mas desta vez com maior base de apoio popular.

Jerónimo foi igual a si próprio e ao seu PCP. Já ninguém aguenta os discursos de vitória do PCP em noites eleitorais, e foi por isso que no Domingo se ridicularizou um pouco o mesmo discurso. Mas a realidade é que a CDU teve uma subida percentual residual e recuperou um deputado (15 para 16). No entanto, não há razões para a euforia que se viu na Soeiro Pereira Gomes. A não ser que a CGTP já tenha alguma na manga…

Para Louçã, a noite foi o desastre. Os piores receios bloquistas foram concretizados e o BE desceu para metade no número de deputados. O discurso de Louça não foi muito melhor. Lento e pouco claro no assumir da derrota, Louçã sabe que este pode ter sido o tiro no porta-aviões do BE. Aquela amálgama só precisa de um precedente para se desmoronar, precedente esse que os bons resultados eleitorais se encarregaram de desmotivar e esconder nos últimos anos. O BE falhou em assumir-se como alternativa de poder (deveria ter feito esse caminho, mas escolheu um caminho idêntico ao PCP) e os eleitores puniram-no por isso.

E pronto, já passou. Afinal, não houve empate técnico nem ingovernabilidade. Afinal foi tudo bem mais simples do que se poderia, à partida, imaginar. O PSD ganhou, tem maioria larga com o CDS, poderá formar Governo maioritário de coligação, e tem todas as condições para nos tirar do buraco. Agora, haja competência, vontade política e coragem. Redução do peso do Estado, colocação das contas públicas em ordem (sem arranjinhos nem subterfúgios) e aposta no crescimento económico têm de ser as prioridades. Por esta ordem de prioridade.

Daqui a 4 anos voltamos a falar…

P.S. – Uma palavra para a abstenção: faz-me confusão que mais de 40% das pessoas tenham ficado em casa numa altura destas. Descontentamento expressa-se com o voto, e em último caso, com o voto em branco. Ficar em casa e esperar que decidam por nós para depois criticar é que é! O português é, de facto, um bicho estranho. Queixa-se de tudo, mas depois não consegue levantar o rabo para ir votar. E enquanto assim for…

O Povo Demissionário

Ponto prévio: sei que os artigos com alto grau de parvoíce são aqueles que merecem a maior atenção daqueles que me dão o privilégio de ser anfitrião quando decidem passar os seus olhos por aqui. Apesar de saber que isto possivelmente valerá menor número de visitas, comentário e feed-back, não me abstenho de escrever sobre o que realmente me perturba agora. E não, não é parvoíce, é mesmo sério!

A campanha já vai longa. Na realidade, todos, até os próprios políticos, parecem já cansados da campanha eleitoral que tem colocado, como só ela, a campanha, sabe fazer, o país em estado de sítio. Já se falou de tudo, desde pelos púbicos, passando pelas nomeações de ultima hora (uma triste realidade em TODOS, repito, TODOS os Governos cessantes), culminando numa pseudo discussão sobre uma possível alteração à lei da despenalização (ou liberalização, se preferirem) do aborto.

O que me parece estranho é esta incapacidade portuguesa de discutir as coisas essenciais. Isso vê-se nas reuniões de trabalho, onde entre parêntesis e chavetas aos propósitos que nos levam a reunir, acabamos por gastar a maioria do tempo em questões que nada têm a ver com esses propósitos. Na política e na sociedade vemos apenas o reflexo disso: quando alguém surge a falar das coisas essenciais, eis que surge um fait-divers, eis que surge um caso de pseudo-agressão, eis que surge um tema lateral e completamente secundário para desfocar novamente tudo e todos. Quanto aos temas centrais? Nada, niente, zero, nicles, peva. Como saímos da crise? TSU para aqui, TSU para ali, pouco mais. Como criamos emprego? Como melhoramos a educação, a justiça? Ao que parece ninguém sabe…tire-se o chapéu ao PSD (quer se concorde ou não com as suas propostas) por ter sido o único a dizer ao que vinha, quando apresentou o seu programa, ao contrário dos restantes, que se limitaram a apresentar programas que terão como destino o caixote do lixo.

Bom, mas não são as propostas que me levam a escrever, mas sim a crescente lateralização e estupidificação da política portuguesa, acompanhada ou até rebocada pelo mesmo fenómeno social. As pessoas não têm paciência para discutir as questões fundamentais. Nas famílias discute-se mais o futebol ou a novela que o futuro ou o planeamento. Nos bares discute-se mais o Jorge Jesus e o Villas-Boas do que o Sócrates e o Passos Coelho. Na televisão discute-se mais a trica e o mexerico do que a questão fulcral. Resumindo, a sociedade alheou-se da política e do futuro, deixou os políticos sozinhos na condução dos destinos do país, e o resultado é o que se conhece…

Pode parecer duro, mas é a realidade. A sociedade (eu incluído) esqueceu-se de fiscalizar, de se informar. Esqueceu-se, inclusivamente, e em alguns casos, de pensar no seu próprio futuro. Nós demitimo-nos de olhar, de ver, de analisar. Preferimos dizer que a culpa ‘é deles’, ou então basear a nossa opinião na opinião dos comentaristas, que nos fazem a análise de tudo, como se socialmente fôssemos bebés, incapazes de ter opinião própria, o que nos leva a que precisemos de um pratinho de Cérélac ou Nestum feito por terceiros para nos ‘alimentarmos’ e termos uma opinião formada.

Meus caros, se não acordarmos e assumirmos as nossas responsabilidades, o país continuará a trilhar o seu caminho desgraçado. Porque o povo não serve apenas para depositar um voto numa urna de x em x tempo, nem apenas para pagar impostos. O povo serve para ver, analisar, pensar e tomar decisões em consciência. Enquanto nos continuarmos a demitir desse facto não passaremos de simples marionetas nas mãos de toda uma classe política. Seja ela qual for.

Desidentificados

A maioria das pessoas tem dificuldade em identificar-se em ideias, sejam elas políticas, religiosas, ou de outra ordem. Tudo o que é baseado em ideias começa a sentir a crise das mesmas, fruto de alguma preguiça é certo, mas de um outro fenómeno, que sinceramente me parece demasiado inexplorado.

Para firmar bem a estaca da escassez de ideias e de vontade de as debater, façamos um paralelo: enquanto as coisas que exigem ideias, pensamento e discussão (ou pelo assim deveria ser) passam por uma tremenda crise de desidentificação, as coisas que não exigem o mínimo esforço intelectual crescem a olhos vistos, como é o caso de tudo o que é entretenimento de primeira linha. E não, isto não é uma crítica ao entretenimento, mas sim uma crítica a nós, seres humanos. Deixamos de querer pensar nas coisas, e passámos a querer que elas apareçam feitas. Todos os dias nos demitimos da nossa responsabilidade através da abstenção de pensamento, informação e acção. 

Isto leva-me a tentar ir um pouco mais a fundo. Sinceramente, para nos identificarmos com alguma coisa temos de saber duas coisas ‘simples’: quais a ideias externas com as quais lidamos; qual a nossa identidade. E parece-me que a questão reside muito mais na segunda que na primeira. A maior parte de nós, por preguiça intelectual, não sabe com o que se identifica porque não tem identidade, andando ao terrível sabor do vento. A pergunta seguinte é: como é que nos identificamos com algo quando não conhecemos qual a nossa identidade? Por mim, acabámos de acertar em cheio no problema…

Quem sou eu? 

Perguntas como esta deviam pulular na nossa mente todos os dias. Valores e princípios devem ser a resposta a esta pergunta. Mas a maior parte de nós está demasiado entretida para pensar nisso. E quando não estamos entretidos, estamos ocupados, o que também deixa pouco tempo para o raciocínio. Estamos a fazer do nosso cérebro uma massa acrítica, no sentido em que cada vez mais dizemos mal, mas cada vez menos sabemos porque o dizemos. E mais, cada vez menos estamos dispostos a fazer alguma coisa. A preguiça começou no cérebro e já nos atacou as mãozinhas…

Raios! Onde está a nossa capacidade de pensar, de resolver os nossos próprios problemas, de projectarmos o nosso próprio futuro, em vez de esperarmos que outros o façam? E onde, por Deus, onde está aquela capacidade de ir à luta uma e outra vez, de nos mexermos, de pensarmos, de sermos críticos E construtivos? Onde deixámos esse legado?

Se nem à pergunta ‘quem sou eu?’ consegues responder, então aconselho uma reflexão. Reflexão essa que é, afinal, bem mais do que nome que se dá ao Sábado antes de umas eleições.